Resenha| Notas de Subsolo – Fiodor Dostoievski

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Escrita em menos de 3 meses por Dostoiévski e publicada quase que independentemente, não tomando maiores proporções na época, a obra trouxe ideias e teorias que seriam propostas futuramente, sua ideia de “homem subterrâneo” legou à ficção moderna um dos seus principais arquétipos, encontrado também em Kafka, Hesse, Camus e Sartre: o anti-herói, traz em si várias discussões filosóficas. Seus personagens estão muito bem localizados no século que conheceu o florescimento das ideologias marxistas, do avanço do imperialismo e do liberalismo econômico. Além de ser considerada uma obra sinônimo de existencialismo.

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Composto por duas partes, o livro se resume em uma descrição profunda dos subsolos da alma, seu formato e verossimilhança faria inveja a ontologias. Um livro que te prende a cada frase e te faz pensar a cada palavra, constrói um raciocínio e logo após desconstrói novamente, sempre com uma dose de ironia e deboche ou escarnio; por muitas vezes cheguei a conclusões sobre o “Homem do subsolo” e sobre o que ele estava querendo dizer, mas descobri que na realidade se tratava de mais um deboche do autor, você se sente incomodado no inicio, em meio a um embaraço psicológico começa a se questionar o fundamento que te fez chegar a tais conclusões e se enche de perguntas e duvidas, foram muitas vezes em que eu ri sem ter muita certeza da razão. Vergonha ou surpresa, orgulho ou medo, irreverencia ou incomodo. Depois de alguns capítulos as ideias começam a se organizar, porem a leitura não se torna menos impactante, ao contrario, fica ainda mais “raivosa”, mais interna, os sentimentos se embaralham, as reflexões surgem e se recusam a sair. Cheguei ao ponto de re-ler todo um capitulo, pois percebi que o fiz no automático enquanto pensava sobre uma discussão no capitulo anterior.

Na primeira parte o autor comunica, ele deixa explicito que esta fazendo isso, seus pensamentos e sua inserção no mundo moderno. Na segunda parte temos as memórias do personagem; inadequado ao mundo que o rodeia, tem em sua consciência mórbida a sua revolta contra a sociedade que não enxerga sua própria situação. Fica evidente, ele os odeia e sente uma espécie de prazer mórbido em ser como é, mas também os admira por ter algumas características, hora sim hora não, tomadas como inobre, que os tornavam realizados.  Em uma definição muito breve, seria uma pessoa cujo talento e inteligência não tinham aplicação naquela sociedade e, por falta de uma realização pessoal, tornavam-se amargas e destrutivas.

A narrativa é em primeira pessoa. Ele faz um jogo inquisitivo como se dialogasse com o leitor, e vai respondendo às suas próprias perguntas de forma astuta e mordaz e deixa claro todo o seu asco pelas pessoas com quem convive e inclusive com ele próprio. Deixa claro que sabe de sua condição medíocre e por isso mesmo, por saber ser medíocre não faz nada para mudar isso. É um autoflagelante monólogo no qual o narrador, um rebelde contrário ao materialismo e ao conformismo, discute sua visão negativa do mundo e aborda as principais questões do seu tempo, constituindo uma narrativa de uma intensidade incomum.

Surgiu em “notas de subsolo” o Anti-heroico; Esta ligado a postura paradoxal, as vezes provocativa. A subversão deliberada do modelo literário (Herói) está relacionado com a voz vinda do subsolo(consciência) para contestar opiniões. O Anti-Heroi se Define como a personagem que necessariamente carrega defeitos ou taras, ou comete delitos e crimes,( ou Atormentar uma moça num prostíbulo para se autoafirmar) mas como a que possui debilidade ou indiferenciação de caráter, a ponto de assemelhar-se a muita gente. È ” O homem sem qualidades” do romance de Robert Musel, ” O herói sem nenhum caráter” de Mario de Andrade. Sem as qualidades ou o caráter do herói clássico, embora possua outras qualidades.
Enquanto o herói clássico identifica-se por atos de grandeza, o anti-herói não liga em prestar grandeza ao seus atos, seja positivo ou negativo. Enquanto o Herói é ativo na direção do bem ou do mal, o anti-heroi tende a passividade, e ao anonimato. Vive sua vida na mais completa escuridão, moral, ética, etc, vive a suas regras e a sua vontade. Não somente vontade: Vive a sua potencia. Transforma suas vontades, que muda aleatoriamente, devir a parti, em realidade, em prazer. Ao menos tenta, ao menos sabe que é isso que quer fazer, mas não o faz. Torna-se amargo, angustiado, um doente do estomago.

A ação ou escolha enquanto consciência percebe a contingência e gratuidade de sua existência que geram a angústia posterior a uma sensação de náusea. Angústia porque a responsabilidade é totalmente do individuo ou de cada individuo enquanto forma de reagir ao mundo, às coisas, etc., causados pela náusea de saber que não existe um Deus ou um fundamento que determine a sua essência. Se, como diz Sartre, a existência precede a essência, o homem enquanto jogado ao mundo é quem desenvolve seus projetos e único responsável por suas ações, o personagem sente isso o tempo todo por ter consciência disso.

O que é pior ainda, pois o personagem vê os outros como series Em-si: que vivem a essência dos outros, vive a carga histórica, pessoas que renegam a sua liberdade de se representar por meio de suas ações e se representar no mundo(Tal postula Schopenhauer), como queira, por medo de que tomando tal atitude as coisas não saiam certo e, como a responsabilidade seria somente do individuo, sofreria angustia. E vendo-se superior a todo tempo, mas sem conseguir vigorar o seu Ser-Para-si, o personagem sofre, sofre do estomago.

Questiona profundamente os lugares comuns, fazem-nos trilhar labirintos e vãos existenciais até chegarmos ao fundo do poço e lá percebermos que a natureza humana é feita de paradoxos. Demonstrando uma profunda aversão pelo racionalismo e pela mentalidade positivista, Heigger que o diga, “(…) dois e dois não são mais a vida, meus senhores, mas o começo da morte. Pelo menos o homem sempre temeu de certo modo este dois e dois são quatro, e eu temo até agora”.

Por meio do homem do subsolo, Dostoiévski discute a liberdade individual, no mundo moderno, defendida pelo Romantismo, que maquia a realidade, vendendo promessas de sonhos e felicidade duradouros. Para o autor, não há saída para a humanidade enquanto ela se deixar levar por discursos românticos daqueles que detém o poder.
A segunda parte Trata-se das lembranças de um trabalhador russo civil, de 40 anos de idade, do qual declara que seja praticamente toda a vida e Exemplifica a primeira onde o narrador demonstra por fatos e atos o ser odioso e complexo que é. Ele quer ter amigos mas não acha nenhum à sua altura. Vê muito claramente o defeito em cada um dos supostos candidatos. Mas ao mesmo tempo, como sofre por não tê-los, tenta, ainda que os odiando, juntar-se a eles. Tudo o que consegue é afastá-los ainda mais.

Nessa segunda parte da novela, o homem do subsolo extravasa sua irritação, seu escarnio; no jantar com os ex-colegas demonstra-se totalmente inseguro e mostra sessões de humilhações, muitas que os humilhados nem se deram por conta, ignorando-o e ele sente-se cada vez mais imponente e a raiva vai crescendo dentro dele. É visível o ódio impotente contra si mesmo, e de modo admirável, como o discurso oscila entre esse reconhecimento e sua projeção em todas as pessoas com que trava contato (incrivelmente antecipando em alguns anos a teoria do complexo de inferioridade de Alfred Adler). Em outro caso, no relacionamento mórbido que inicia com Liza, parece querer ajudar a moça, servi-he como tutor ou amante, um homem para lhe tirar do prostíbulo, deixando-se fantasiar as possibilidades, depois vem as perguntas a cerca do que esta fazendo, as duvidas, surgi novamente a humilhação e ele impõe-lhe humilhações.

Depois de um encontro ele da seu endereço a Liza, as semanas seguintes foram de total apreensão sobre a possível chegada de Liza em sua casa: Em um redemoinho de sentimentos, hora ele senti-se afortunado e espera que ela venha para fazer-lhe companhia, dai vem a vergonha da situação de sua casa, a insegurança, os questionamentos sobre o que Liza pensaria dele, pensaria daquele lugar, então a menospreza, provoca, humilha para se reafirmar.

Para Dostoiévski, não há como fugir de certos desígnios impostos pelo desejo e pelo imponderável e, por mais que se tente negar ou mudar, o desejo e a emoção são inerentes ao ser humano. Por meio desses sentimentos é que o sublime e o grotesco irão se manifestar.

“Vejam os senhores: se em vez de um palácio houver um galinheiro, e se começar a chover, talvez eu suba no galinheiro para não me molhar, mas nem assim vou achar que o galinheiro é um palácio, só por gratidão por ele ter-me protegido da chuva. Os senhores estão rindo e dizendo que num caso como esse tanto faz um palácio como um galinheiro. Sim, respondo eu, se o único objetivo de viver fosse não se molhar. – dostoievski | Notas do Subsolo”

” Há um jogo fascinante com a ideia de que o relato não passa de imaginação, que esse tipo de pessoa está superado pelo andamento da história, e o próprio corpo do texto, que coloca esse homem do subsolo como a espécie que tende a dominar a vida europeia dali para frente. Assim, o texto é imaginário no sentido que o personagem vai definir mais para frente: nada acontece, um simples pisão no pé pode ofender seriamente esse sujeito e fazer com que ele deseje a reparação, heróica, floreada, porque é incapaz de se aproximar e resolver a questão ali, com uma atitude concreta. E o fato se perde, é esquecido, depois que o ofendido teve milhares de devaneios em relação ao modo como deveria ter agido.
Isso tudo que foi dito até aqui antecipa o pensamento de outro célebre filósofo: Friedrich Nietzsche. Este se apropriou das críticas ao socialismo, estabeleceu a vida como um incessante processo de luta, e principalmente, através do seu famoso personagem Zaratustra, questionou sobre o sentido da morte de Deus. Toda sua filosofia toca esse ponto, ou seja, se os valores absolutos, se o pecado — e a redenção, consequentemente — são conceitos ocos, como os homens vão se comportar? A proposta de Nietzsche era sepultar completamente os restos daquele passado, criar novos valores, e uma nova sociedade. Mas seu grande temor era justamente que os homens se tornassem niilistas, que renunciassem a esta responsabilidade/ liberdade e se submetessem a novos deuses (um deles, o espírito científico, justamente um tema que o personagem de Dostoiévski ataca). O grande temor de Nietzsche era que os homens estivessem caminhando para trás, deixando de serem homens de ação, se refugiando numa existência mediana, evitando se tornar aquilo que poderiam ser.”

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