Conto | Uma loja milenar

Uma loja Milenar

I
— Então é isso?
A senhora estava sentada em sua poltrona centenária com os dedos cruzados acima do joelho e admirando o cano de uma Browning modelo 1900 do lado menos agradável. O Homem que empunhava a “mata-duques”, em seu estilo monstruoso, com quase dois metros de altura, não parecia um homem. Nas suas costas era possível repintar “O Colosso” com sobra. Do outro lado da sala um elegante senhor sentava-se no divã com a perna direita cruzada sobre a outra, ele espirrou a fumaça de seu grande charuto e respondeu a senhora.
— Seu trabalho aqui acabou. — Deu mais uma tragada e levantando-se continuou. — Sabe, eu gosto de você, você sabe o que fazer quando tem de tomar uma decisão. Por essas e outras que gostaria de lhe dar uma destas estatuas. Sabe, não sabíamos, mesmo com todo aquele conhecimento transcendente, que a batalha pelo isolamento conhecia a todos os anseios. Seu ponto alto, o estudo sistemático do nosso universo acarretaria na nossa existência, concebemos a Justiça e dela o vento assoprou sobe tempestades solares e mares radioativos ao milagre da essência. Somos gratos ao seu trabalho. — Parou ao lado do brutamonte e olhando diretamente para a senhora completou. — Seu tempo aqui já acabou. Pra onde vai, pode ter certeza, terá mais.
Virou-se pro outro lado, onde estava uma serie de esculturas em busto – Dez no total –, Nenhum deles se parecia. As diferenças mais nítidas eram no vestuário, pareciam estar postados em ordem cronológica e moda temporal, com exceção do primeiro da fila que se encontrava desnudo. O senhor escorregou com toda sua elegância até o ultimo busto. Na placa de apresentação ler-se: “Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Te assoprei e de você criei atração”, mais a baixo “Em Memoria de Dubghlas Kafziel Fin Genoom – ☆ 1408 ”.
— Bravos… — Disse o homem, depois se voltou para a senhora. — Não se preocupe só ira perder alguns prazeres que tens como humana. — Aplicou uma longa piscada entrando em transe e acenou com a cabeça, ainda com os olhos fechados, para seu enorme capacho.
O homem levou a arma na altura de sua orelha, se inclinando á espadelar a senhora. Ela, já aceitara seu destino, se recostara na poltrona enquanto sua mente devaneia nas suas ideias de futuro. Suas ilusões de futuro. No inicio do movimento de volta da arma, arrastada na direção da serena senhora com total ferocidade, comparada a de um animal destroçando um pedaço de carne depois de um longo período de fome. Sua Browning “Mata-duques” transformou-se ligeiramente, do punho ao gume da lamina, em uma espada para que ao final do curso seja capaz de arrancar fora o braço da senhora.
Seu sangue era denso como uma pasta cremosa, não esguichou também quando a lamina cortara seu outro braço. O tapete que cobria parte da sala ensopou logo abaixo do corpo com aquele liquido prolixo e asqueroso. Sua coloração avermelhado tinha muitas doses de preto. A Madama parecia já esta morta há muito tempo. Agora já não tinha também as pernas, com seu trabalho feito o capacho volta a sua posição inicial friamente e mantem-se sereno. Neste momento passa uma ventania que leva todos os papeis da mesa, alguns móveis começam a balançar em seus lugares. A arma do pelego, outrora uma pistola, retorna a forma original outra vez e ele desaparece sutilmente em gás, dissipando-se pela sala e esvaindo-se pelas menores fendas existentes.
As luzes se apagam por um momento. O Senhor ainda mantem seus olhos fechados quando a luz retorna; Sua feição séria deixa evidente o movimento de seus globos oculares sobe suas pálpebras, enquanto a mente ferve apitando o bule da discordância. Um som roco estranho começa a brotar do corpo da Senhora aumentando a cada segundo que se passa.
Duas faxineiras que limpavam o corredor ali perto acham estranho um som daquele tipo vindo do escritório da Presidência. Elas resolvem chegar mais perto para checar com mais confiabilidade. Ao passo que se aproximam sentem um forte cheiro vindo de dentro da sala. “Será um incêndio?“ pensou uma das mulheres e correu gritando. A porta trancada e o cheiro ainda mais forte só a deixara mais desesperada.
— Toca o alarme Nanely. È um incêndio. — Gritou a moça para a outra faxineira que vinha no corredor. Assim ela o fez.
Logo apareceram outras pessoas para ajudar, um punhado de rapazes e moças empurrava a porta com toda força na tentativa de abri-la. O som vindo de dentro da sala já era quase ensurdecedor, mas nenhuma voz era ouvida. A população de mordomos e governantas da casa pensava nas infinitas possibilidades do que realmente acontecia dentro da sala. As discursões dentre os membros desta comunidade de trabalhadores englobavam todo tipo de suposições e achismos possíveis, mas como as ações de seus senhores deixavam muito espaço para más interpretações, as cabeças ferviam por razão.
— Pode ter alguém morrendo ai dentro, vamos, força. — Diziam quase histéricos.
Na parte de dentro do cômodo os membros da senhora repousam no chão, seu sangue escorreu pelas vielas da costura no tapete chegando até aos pés bem calçados do Senhor. Ele agora empunha uma bengala luxuosa com o gume dourado, as suas pernas perderam força por alguma razão e umas rugas apareceram em sua face. Ele dá mais um suspiro elevando seu peito e seu queixo.
Ao mesmo tempo em que seus olhos, vermelhos como brasa incandescente, abrem, Voltando a luz da visão, o torso esquartejado da senhora explode espontaneamente jogando pedaços por todo lado. A partir daí só se vê choro, vômito, gritos durante alguns minutos na luxuosa sala. Olhos e Orelhas, Peito e Nariz, todos espalhados melancolicamente pelas paredes e móveis. Simultaneamente as suas portas para a alma, a porta do escritório abre-se alegremente a despir-se na intimidade; Em uma vã visão que todos tiveram antes de caírem uns sobre os outros na entrada, puderam ver, além do horizonte, um mar vermelho em que o cômodo se tornou. No meio do lugar um charuto parecia pairar por alguns segundos no ar, depois iniciou a queda ao chão espalhando cinzas ao tombar. X
II
— Isso nada mais é que uma aposta, filho. Seu medo sendo transposto pela sensação de segurança, quem não escolheria isso? Pois, se você não perde nada, porque não arriscar? Qual é, portanto, essa abominação, inaudita no Céu e na terra?
Caco soltara essa sem pensar nas consequências. Pouco lhe importava o que viera, a muito vivi apenas do presente, dentro de sua cabeça. Os outros ocupantes da mesa se remexeram desconfortáveis. O bar inteiro percebe sua arrogância, mesmo pelo tom de voz. A noite de Salvador não é mais a mesma, pouco restou do besteirol entre um gole de cerveja e outro, a manutenção da vida importa, ainda mais que a própria. Pela parede de vidro podia-se ver a baia de todos os santos, o pouco de sua boemia que restara caia em desgraça a medida que a depressão toma conta da alma dos mausoléus abrigando as almas de outros mulambos que viviam, mas o futuro os tirava a vida. Hoje o futuro se alimenta destas almas, enterrando outras mais.
— Não liguem para essas baboseiras que o Caco fala. Acurado nunca foi, não passa em sua cabeça, não trata o que fala com cuidado.
Essa que falou constrangida foi Vanessa, namorada de Caco. Essa frase já vem pronta em sua cabeça e já calejou de tanto uso.
— Mais não é bem a verdade?
Ele continuou com sua apresentação na mesa da pequena lanchonete. Parecia esta se divertindo bastante. Aquele sorriso que não saía de sua cara, junto com seu modo sarcástico de falar cintilava por todas as mesas. Vanessa passou as mãos pelos cabelos, desconfortada com a situação, deixando uma mecha cair sobre seus olhos. Uma tentativa desesperada de se esconder por trás delas.
— Não se trata bem de apostar. È uma escolha. — Falou um dos homens que os acompanhavam a mesa.
Os dois que estavam sentados à frente de Caco e Vanessa; pareciam dois judeus usando uma faixa bordado uma suástica. Com todo aquele requinte, etiqueta e elegância pareciam protos para uma festa de gala, ou no mínimo a presença em um Restaurante de luxo. Seus Blazers, Sueter e Blütcher pareciam desapropriados com a pizza fria que cintilava na mesa em companhia de cervejas baratas e batatas fritas. Em qualquer ambiente em máximo, formal, e, relativo elítico, elegante seria o centro das atenções e dominariam a conversa, mas não ali.
Todos ali sabiam da sua real situação, viviam tendo que guardar este rancor consigo, a verdadeira razão de manter esta insanidade é a necessidade do medo, da imposição, temiam o mundo fora das gaiolas. Caco parecia disposto a balançar a estante para ver quais fotos caem. Não se importava o mínimo em manter a corte e ajudar sua garota.
— Então você é musico? A Vanessa nós disse que estava preparando um contrato com uma gravadora, uma daqui de salvador mesmo ou lá nas bandas do vale? — O outro, loirinho, disse rapidamente mudando de assunto.
— È, sabe como são as coisas, a gente tem que valorizar o nosso trabalho. Não adianta aceitar qualquer um contrato, certo? — Caco Falou aumentando considerável e gradativamente seu tom de voz. — Mas e vocês, continuam extorquindo até a gola enquanto brincam de escolinha, de vencer?
— Não é porquê … Tornaram-se todos tão ciumentos do seu eu que todos construíram templos e monumentos e veneram a si. Surgiram escravos voluntários, a moral das ovelhas não os submeteu ao seu gosto. Causa de grandes guerras.
Um toque genérico de celular soa do bolso da calça Jeans de Caco, que atende, sem titubear, enquanto fala o rapaz. Nem mesmo olhou o numero de que o chamara. Parecia esperar por isso.
O rapaz, quase engasgando, soltou todo o ar que tinha assegurado em seus pulmões para utilizar na fala, coçou suas sobrancelhas um pouco e esfregou os olhos antes de olhar com angustiado para seu amigo. Vanessa só lamentava, mas desejava fortemente que aquela fosse uma chamada de urgência. Coisa difícil de acontecer na vida de Caco. Mas hoje ela estava relativamente com sorte.
Dizia uma voz mecanizada no outro lado da linha:
— Boa noite, O senhor é o Claudio Fin Dwornik Junior?
— Sou eu mesmo. — Disse Firmemente já pronto para desligar caso sua suspeita quanto a marketing de uma empresa de cartão de credito de confirmasse. — Tenho um informe para o senhor. Sua avó faleceu esta manhã. Minhas condolências. — Continuou a voz. “Mas eu não tenho nenhuma avó. Será um trote?” Pensou, mas gostaria de manter esta conversa o máximo possível.
— Nós também achávamos isso até agora, não sabíamos, mas o senhor estava muito bem especificado aqui. Quando lemos o testamento e achamos muito estranho. No entanto, ela é um ser humano, e como tal merece ao menos um mínimo de respeito nesta ocasião. Não estou certo? Ainda se for confirmado, poderá herdar tudo.
— O que? — Caco já não sabia em qual contexto aquela afirmação se enquadrava. Apesar das possibilidades de herdar alguma coisa, não ligou muito. Pouco se importou com dinheiro durante toda a vida. Caco vivera sua vida humildemente, depois de sair do orfanato já adulto, foi direto para o mercado de trabalho. Bater pregos não era muito nobre, mas ele não se importara com isso. A tecnologia esta em um nível surreal de avanço, mas os pregos continuam sendo importantes.
— Enrica Andreani Fin Brown. È o seu nome, dona das Fist corp.
— Esta é aquela milionária? — Sua sobrancelha subiu junto com um sorriso arrasador que terminou com uma sonora gargalhada. Sua euforia era nítida. Vanessa e seus Dois convidados ficaram atentos.
— Como é possível? — Perguntou ainda sem acreditar. — Ok, e o que eu tenho de fazer? — Continuou. Sua imaginação manifestou-se, eram tantas possibilidades e em meio a pensamentos materiais começou a se perder no seu passado, na sua formação, o único objeto que o fez pensar seriamente em ir a fundo nisto foi a vingança. Se confirmado, a filha desta senhora o teria deixado na rua, a mercê dos perigos inegáveis da sociedade. O que poderia fazer com todo este poder ainda não se materializou em sua cabeça. Nesta sociedade regida por empresas, seus donos eram reis. Nesta sociedade poliarquica cada um de seus pilares era governado por uma empresa privada, seus donos intocáveis viviam acima de tudo.
— Terá que vir aqui responder legalmente e se tudo correr bem assumir o que lhe foi deixado e decidir o que fazer com ela.
— Fale o endereço enquanto anoto, amanhã o mais rápido possível estarei aí. — Disse apoiando o celular no pescoço enquanto pegava um pedaço de guardanapo e abanava a mão bradando por uma caneta.
— Não será necessário isso senhor, já mandamos um carro lhe pegar. — houve uma pequena distorção na voz da mulher tornando-a muito grave. — Ao sair de onde está encontrara um carro a sua espera. Saberá qual.
A ligação foi encerrada e Caco demorou alguns segundos para retirar o celular do ouvido.
— O que foi, porque esta cara de besta? — Vanessa previa mais um dos jogos de Caco.
— Alguma coisa com a minha avó. — Disse esticando o pescoço para avistar, sobre a cabeça de Vanessa, a janela que dava pra rua.
— Sua avó? Eu achei que você tinha dito não ter parente, muito menos uma avó. Pare com essas brincadeiras, não estou com humor para isso. — Vanessa conhecia muito bem Caco, ciente de sua transcendência desaparecida, e de sua moral própria. Ela não o controlava mais.
— Se queria sair era só falar, não precisava inventar uma desculpa dessas. — Disse um dos rapazes.
— Vamos. No caminho eu te explico. — Caco falou a Vanessa sem nenhum interesse nos rapazes.
Ele pegou pelo seu braço e a arrastou através do coffe bar em meios a resmungos de aborrecimento. Ao passa pela porta dentre todas as centenas de carros estacionados seus olhos foram atraídos primeira e unicamente por um em especial: O bucciali tav 8-32 saoutchik ‘fleche d’or’ berline estava parado com toda sua elegância exatamente na frente da porta do coffe bar. Caco sabia quão raro era aquele carro, existia apenas uma unidade, e isso o deixou um tanto amedrontado. Assim sua mente emanoou, e Caco soube que era aquele o carro, as portas do luxuoso se abriram automaticamente. Porque alguém mandaria um carro desses para a rua somente para me apanhar? Em seu momento de desconfiança ele saiu andando receosamente arrastando Vanessa, agora calada. A cabeça de Caco passou pela porta e o Motorista soltou logo o Refrão:
— Senhor Claudio Fin Dwornik Junior, poderia entrar no carro, por favor. — O homem nem virou a cabeça, suas mãos apertavam o volante do carro como se fosse voar, seu pescoço parecia pálido em um tipo estranho de cadáver.
Caco entrou no carro lentamente na companhia de Vanessa. Bach como som ambiente não amenizava o clima de terror em que o carro estava. Qualquer um que entrasse nele acharia que alguém morrera ali. Os dois admiravam a beleza do carro e ao tempo em que se acomodavam, sem antes que ela pudesse pegar na maçaneta da porta, ela tornou a fechar voluntariamente com toda força. O motorista engatou a marcha e foi até seu destino sem falar uma palavra, o contrario de Caco que tinha muito que explicar a Vanessa.
III
— Tem algo errado com este pessoal. Não é possível! Como que pode um negócio desses? — Nanely falava na área de serviço da Grande casa. Os empregados haviam se reunidos para discutir o que acontecera.
— Loucos somos nós que fomos lá limpar aquela bagunça. — Exclamou um dos cozinheiros. Até agora seu corpo coça de agonia. Não era um entusiasta da Senhora Fin, sentia que algo assim ocorresse.
— E que outras opções tínhamos? Horas atrás não vi você reclamando na frente dos outros. — Ela também vivenciara o pior episodio de sua vida calada. Temia o que lhe poderia acontecer caso desobedecesse às ordens. — Mas porque eles tinham de se trancar lá dentro? Aquele lugar pena por desprezo. Aquele cheiro de sangue me enoja. Nunca mais conseguirei olhar aquelas paredes novamente sem lembrar-me dos pedaços da Senhora fin grudados nela. O que diabos devem estar fazendo? — Aquele miserável do Thomaz só sabe mandar. Alguém o viu lá dentro no inferno conosco? — Disse uma passadeira, crente em si de estar longe de olhares de Thomaz. Mas as paredes têm ouvidos e o mato tem olhos.
Thomaz era o Mordomo mais velho da casa. Já estava na casa muito antes de qualquer um ali chegar.
— Aquele cavalo do cão. — A instigada Nanely resmungou.
Atrás dela a figura odiada, um senhor de idade com barbas brancas e ralas, apoiada em uma bengala ouvia a tudo quieto.
A fitou quando se virara. Seu coração bateu mais forte, lembrara-se do que já viveu naquela casa e uma raiva emergiu de seu interior. Queria distancia daquilo tudo, e agora já poderia se arriscar por isso. Não aquentava mais viver ali.
— Nanely, vá atender a porta. Não fale nada só traga-os a mim. — Disse Thomaz.
— Mas não ouvi ninguém batendo a porta. Ou a campainha.
Todos seguraram a respiração à espera de um sermão, ou algo muito pior. A bagunça que acontecera realmente agitou os ânimos. Era a primeira vez que alguém contestava o Thomaz. Não demorou dois segundos e a campainha toca. Nanely se gelou até os pés. Faltou pouco pra alguém enfartar.
— Estarei na sala de visita. — Disse Thomaz seriamente, se virando e sumindo depois da porta.
A campainha toca mais uma vez.
Nanely esta a passos longe da porta. “Isso sim é o que podemos chamar de casa. Com direito a todas as letras e silabas”, ouviu através da porta. Duas viradas na chave, gira o trinco e vira a maçaneta; Vanessa e Caco estão parados a porta. Como disse Thomaz, Nanely nada diz, vira as costas e começa a andar. Vanessa e Caco entendem que devem segui-la e o fazem. Já estão perto da sala agora.
Risos.
Vanessa deixou escapar um sorriso constrangedoramente audível. Caco a olhou de lado e segui andando. Provavelmente não vou mais levar uma bronca pelo jantar, pensou.
A historia dos países é ensinado nas escolas, para aqueles que possam pagar, e ficou há muito tempo para trás. Não há mais fronteiras entre países, nem direitos civis, humanos, de qualquer tipo. Assim como a segurança era mantida sobre rédea curta pela Cleaves Corp a justiça era conduzida pela Fist corp.
— Algo engraçado, Senhora? — Thomaz perguntou em sua postura ereta apertando as mãos nas costas.
— Não, nada. Desculpe. — Engasgou-se.
— Podem se acomodar.
Algumas cadeiras estavam disponíveis.
— Então, como que não saiu nenhuma historia sobre o caso nos noticiários? — Disse Caco gentilmente, sentando-se numa das cadeiras. Vanessa permaneceu em pé ao seu lado.
— Acertamos com a policia para manter o sigilo sobre o caso. A residência é particular, ninguém entraria, e nossos serventes são obedientes. — Puxou uma cadeira. Você só pode ser o herdeiro dos Fins.
— Penso que sim.
— Gosto de você. Mas não dela. — Analisou Vanessa dos pés a cabeça. — Ela não era pra estar aqui.
— Faltou comunicação da parte de sua atendente robô. — Ele tentou levar na brincadeira. Não estava em posição de discursão. Sua casa era a muitas quadras daqui. E alguma coisa o fazia pensar se sua vinda foi uma boa ideia. Às vezes a necessidade ofusca a razão do ser humano.
— Bem, nunca tivemos registro algum seu aqui. Mas deixe-me fazer-lhe algumas perguntas. Primeiro: Quão bem você se lembra da sua infância?
— Na maior parte do tempo delirando em um pobre orfanato da cidade.
— Parece que você foi expurgado da família. Mais uma questão surgiu-me: Como o sobrenome Fin foi parar na sua identidade? Você teve algum problema em sua vida? — Ele parecia brincar com Caco. Vanessa percebera isso, mas manteve-se quieta. Os solados de seus pés começaram a coçar sutilmente enquanto se manteve em ao lado do Caco.
— Uma carta estava comigo quando bebê. Esse nome estava nele. Fui praticamente obrigado a carregar este nome. Que tipo de problema você se refere. Sabemos que problemas são inerentes a vivencia humana, não? Quem cresce sem eles? — Caco se sentira constrangido de alguma forma com a pergunta, fazia enervante a si. Se assim é, algo a mais o tem.
— Senhor, tenho muitas razões para acreditar que o senhor esta ciente de que tipo de problema estou falando. — Sua face se manteve neutra. Thomaz falou quase o incitando a verdade. Suas sobrancelhas cheias escondiam mais do que seu sorriso poderia ocultar. Com a mão no queixo ele observa a luta de Vanessa para conseguir coçar a sola do seu pé ainda calçada.
Caco desviara o olhar pela primeira vez desde que chegou à residência. Se remexeu na cadeira e cruzou as pernas. Thomaz percebeu sua intenção em querer desviar o olhar de Vanessa. Sua coceira ultrapassou o limite do admissível.
— Esta se sentindo bem senhora? — Perguntou Thomaz, em tom peculiarmente irônico. Vanessa assentiu com a cabeça. — Leve-a ao toalet, Nanely.
A mulher começou a andar e Vanessa a seguiu.
— Não temos muito mais a falar. Meu papel com você já foi cumprido. Siga-me. — Thomaz levantou e saiu andando, se arrastando com sua muleta.
— E quanto a Vanessa? — Caco tentara visualizar o banheiro através das paredes.
— Ela vai ficar bem. — Disse Thomaz sobre os ombros e continuou sua lenta caminhada.
A casa era inteiramente iluminada com velas, não era escura, mas escondia algo nos canos sombrios. Eles subiram as escadarias. Largas, de madeira. No primeiro andar um longo corredor, preenchido dos dois lados com quadros, pinturas e fotografias. Muitas para se contar. Poucas para se entender. Em uma delas um denso bosque esverdeado de limo e material em decomposição, animais conviviam em harmonia com seus parentes mortos, e os urubus sobrevoavam alegremente o céu rubro do entardecer. Passaram por um tapete, parecia grande e caro, estava enrolado em forma roliça, coberto com jornais velhos presos com cordas. No fim do corredor uma grande porta “fechada” a saída e dois homens faziam a guarda dela.
Três batidas na porta foram o suficiente para ela se abrir imediatamente. Lá dentro todo o comitê aguardava ansioso.
— Bem vindo. — Falou um senhor que estava parado no meio da sala, envolto de mais quatro pessoas.
— Olá. — Respondeu Caco. Ele olhou para trás na procura do mordomo Thomaz, mas ele sumira. A porta já estava fechada e todos da sala o encaravam.
— Se aproxime Claudio. — Falou um rapaz com uma cartola na cabeça. Parecem que todos aqui já me conheciam, pensou. Que está acontecendo?
IV
A sala não tinha nenhuma janela, duto de ventilação ou persiana. Um gigantesco quadro pendurado na parede, logo atrás de uma mesa de madeira. No meio do lugar vigorava uma elegante cadeira, Em uma bela combinação de couro de búfalo e madeira de Jatobá. Caco foi convidado a se sentar nela. Ele estava começando a se amedrontar, mas algo no lugar, seu cheiro talvez, o fazia se sentir bem. Em um pulo ele foi parar em cima da cadeira. Hum, aconchegante, pensou.
— Sabe o que você é? Você não merece ao menos o direito de se sentar nesta cadeira.
Alguém disse prós trás dele. Caco olhou sobre o ombro e respondeu.
— No entanto aqui estou, certo?
O senhor, com seu terno azul cravejado de listras cinzas verticais pairava na porta, categoricamente em frente a Caco. Em forma de “U” se arranjavam os quatro demais. O primeiro da esquerda vistia-se totalmente de branco, nele grassa a peste, sua postura ereta e parecer conciso escondem sua desordem interior podre. Em seguinte, do lado do braço esquerdo de caco, em sua vigorosa beleza; cabelos pretos, lábios carnudos, e um corpo, utopicamente, na mente de Caco, perfeito. Brilhava com seu vestido roxo, em suas raízes o campo não traz fartura, mas sustenta a vida de um lutador honrado e de um povo, conforto, eternidade e Glória. Do outro, um cerne de gordura assenta-se na cadeira, aparentemente indestrutível, com seu gigantesco poncho vermelho vive a terra e o que falta dele, para si não há bom pão, só a falta dele. Por ultimo, impotente em seu terno surpreendentemente preto, rodava o anel em torno de seu dedo fitando Caco com os olhos, Sua presença não é nada pra nós e quando vive não houvemos mais para si próprios.
— Sua perspicácia me impressiona. Não é atoa que carrega nosso sangue. Agora, deixe-me ver sua relação com minha pessoa. Muitos dizem que eu sou a pior coisa do mundo, outros que é o nosso amigo ali na frente. — Apontou para a linda moça a sua frente. — A cabeça deste povo gira em torno de nada. Veja bem, há alguns anos atrás seria impossível, eu digo impossível nós chegarmos ao ponto em que estamos hoje, ao nível hierárquico em que chegamos. Quando digo nós entenda como eu, sua suposta avó, e esses outros senhores e senhoras que vês. Vamos a você, quanto que a fome te afeta?
— Veja, não me afeta. Não passei fome e não me lembro de vê alguém nesta situação. Só o que posso dizer é que ao se organizar em sociedade o homem criou uma desigualdade. De um lado, uma minoria rica e de outro, a grande maioria pobre. Porque dizes que possuo seu sague?
— Foi o que leu? Não esta totalmente errada, mas diga-me que fator influenciou o homem a criar esta barreira? — Continuou o homem do poncho.
— Sei que não foi por pura e espontânea vontade.
— Seu sangue não é comum. Não esta ciente, ninguém esta, o processo de colonização foi a exploração das terras dos outros ao máximo, na América onde hoje é a região comandada pela Granis Ind, no seu vale do recôncavo, Ásia, chapada diamantina pela brass’s word e África, baixo sul, nosso polo industrial. As pessoas não tinham o sentimento de pertencimento de mesma espécie, quando se separavam em grupos, países, o inimigo era a si mesmo. Mas o seu medo não os deixavam livres. Hoje damos a vontade e a potencia, realização, para suas ideias. — Finalizou, estendendo a mão para o lado em direção ao careca de preto.
— A pobreza não é causa da violência. A violência é necessária para a existência do universo, pois trás a morte. E a morte move os universos. Quando o lobo anda caçando todas as ovelhas, logo morrera de fome, o pastor planta e colhe, mantem as ovelhas, mantem a energia. Não imaginas como poderia ser. Quando aliada à dificuldade em oferecer melhor distribuição da plantação, torna os mais pobres e mais atraentes para o burburinho. Todos tendem a auto preservação, a injuria e a separação deixa-as para o lobo. Agindo apenas em função do medo, se retraindo simplesmente, não há possibilidade de conseguir operar bem, não vão conseguir enfrentar esta violência. Só vão replicar e aumentar o processo, vão reproduzi-lo. Quando começamos nosso legado o caos se instaurou por completo, as ruas viraram um campo de guerra.
A linda moça então começou a falar.
— Eu prefiro mostrar-lhe. A mulher se levantou e andou na direção de Caco, pegando-o pelo braço o levantou da poltrona.
— O que você vai fazer? — Perguntou caco curioso.
A mulher colocou os dedos nos olhos de Caco fechando-os, depois tirou. Caco abriu os olhos. Ele não estava mais na pequena sala. As paredes tomaram forma de arvores e o piso de terra, as montanhas ao fundo e o céu limpo, era um dia ensolarado na floresta. Nas sombras das arvores estavam um grupo de pessoas, sentadas, uma mãe ia alimentando de frutos a si e a seus filhos. Viviam ali mesmo.
— Aqui não ha ameaça de predadores. — Falou Ela.
Uma fumaça negra nublou-o toda a visão por um instante, ao voltar tinham mudando outra vez. Agora Caco estava no meio de uma guerra entre gigantes mamutes e algumas pessoas. Ele olhou para o lado varrendo o lugar, e avistou uma lança no ar, vindo a sua direção, ela já estava a centímetros da sua cabeça. Estremeceu-se temendo a morte, a lança por outro lado apenas atravessou seu corpo como se não estivesse lá.
— Este grupo convive diariamente com desafios. Agora veja o que aconteceu alguns dias depois.
A cena gira e volta para a floresta. Agora é noite, existe uma espécie de tenda entre duas arvores. — Observe. — Disse. Caco olhou atentamente a tenda e viu com clareza dois nômades puxando o corpo da mãe e seus dois filhos para fora da tenda e jogando-os em uma cova rasa. Do outro lado outros carregavam toda a comida.
Caco, olhando atentamente, percebe cada vez menos a necessidade de se intrometer. — Que aconteceu?
— Apenas o natural. Animais sem qualquer interesse.
— Eles somente galgavam seu bem estar. Coisas ruins acontecem a pessoas boas. O que queres dizer?
— Eles acham que a paz é o motor do desenvolvimento, mas esta característica não esta presente em todos os humanos, Não existe só uma paz a ser alcançada, nem só um meio de se alcança-la.
— Ela sorriu de canto e retirou Caco do devaneio.

*****

Ele permaneceu em pé por um instante e lhe ocorreu ter visto uma gora de sangue escorrendo de uma das estatuas. Assim foi checa-la, no pedestal, lia-se: “Enrica Andreani Fin Brown – ☆ 2408 ”.
— Quando isso foi feito? Não faz nem um dia de sua morte, e já esta marcada na pedra.
— A morte é uma coisa interessante, ninguém sabe nada sobre ela, todos confiam ir a um lugar melhor quando ela vier, mas todos a temem. Ela estava predestinada a isso, e você a assumir seu lugar. — Disse o homem, arrumando seu terno. — A mim diziam-me: Somos, sim, aqueles mentirosos. Mentirosos! Sem sabem que falam com suas transparências, sabem. Depressões e crises sucessivas, a mente não aguenta, vulcanizam em poder e injustiças, venerando nosso calcanhar.
Todos se levantaram e em um piscar sumiram em nevoas. Caco via sentido em toda parte. Dotado de um olhar estranho, faiscante. Em sua cabeça a razão lhe gritava que algo estava muito errado, mas seus sentidos cada vez mais relaxavam, havia finalmente um lugar que admitia sua insanidade.
— Vamos. — O senhor levantou sua muleta e virou-se de costas a Caco, que se manteve inerte. — Você não vem?
O senhor colocou a mão na maçaneta da porta, girou e a empurrou. Do outro lado não existira um corredor comum. Um lance gigantesco de escadas partia da porta até o nível mais baixo possivel. Cheio de encruzilhadas, e corredores. Muito longe do imaginado por Caco. As paredes de ladrilho da escada não eram nem um pouco sebosas. Caco chegou à porta e parou ao lado do Senhor.
— Essa é a sua empresa agora, como direito. — Disse apontando o dedo em direção as escadas. — Esse é o inferno.
— Não acredito.
Na entrada uma placa estava pendurada. Nela dizia; “Bem vindos ao inferno”, em seguida: “Saguão principal” com uma seta apontando para baixo.
V
Caco olhou para os lados sem entender nada. Não era bem isso que ele imaginava depois de ler todas aquelas historias sobre este lugar.
— O que é este lugar? Isso só pode ser uma brincadeira. — Falou
— Isso é o que é. Não tem que parecer ser. Estamos no inferno. — Disse o Senhor, se apoiando na muleta enquanto desce os degraus lentamente. — Vamos.
— O que houve com todo o fogo? Toda dor? Onde estão todos os monstros? — Em todos seus pesadelos era assim que imaginava o inferno, e desta maneira o temia mesmo disfarçadamente. Com todo seu ceticismo e audácia no fundo existia sempre um “e se?”. O que ficava muito evidente em suas noites mais obscuras nas quais a nuvem da insanidade e as montanhas do ocultismo muitas vezes se confundiam.
— Toda esta historia foi inventada por um dos guardiões da justiça há muito tempo atrás como uma estratégia social da época, sua ideia deu tão certo e caiu tanto no “gosto” das pessoas que decidimos manter esta ilusão. Por quanto nem me prontifiquei a escrever minha versão da historia.
— A dona Enrica Andreani era uma dessas, tô certo. Mas quem seria você? — Eles passaram por uma placa onde “RH” estava escrito. Em outra mais adiante podia-se ler “Produção e Manutenção”.
— Eu sou o Demônio! — Disse o senhor enquanto terminava de descer as escadas. Em sua frente estava um saguão colossal, os olhos de Caco não alcançavam até o fim.
— Não és o que julgas ser. — Disse incrédulo.
— Ignoras o que vês? Talvez devesse crescer alguns chifres? — E assim o fez. — Ou parecer-me com um bode? — A sua forma tomou a de um centauro com cabeça de bode. — Essa forma não nós serve aqui embaixo.
Caco não se amedrontou mais com esta forma abominável do que com a afirmação anterior.
— E o que é tudo isso?
— Eu não fui criado para fazer o mal e tramar a queda de todas as almas, estou aqui para dar um caminho a ela. O inferno e o céu não são lugares para se viver, são portais para outros universos. Para os quais todas as pessoas da terra estão fadadas a ir. A morte nada mais é que uma colocação de grau. A justiça não depende de nós, criamos as situações e esperamos as respostas. Você, foi predestinado para se tornar o novo Guardião da Justiça. Regerá a empresa e escolherá a profissão de cada um daqueles os quais a morte se aproxima.
— Não consigo visualizar como poderia fazer isto.
— Todas aquelas vezes que pensara estar sonhando acordado, que pensara ouvir vozes, ver coisas, sentir coisas. Não era a sua expressão de arte, era seu instinto demostrando força. Você pode ler o coração das pessoas e decifrar seu interior e vê sua maldade. Mas naqueles em que isso não se aplica não deverás agir. Aquele que conhece como Deus cuidará deles.
Caco então se lembrara da primeira pessoa que acreditou ser totalmente benevolente. Aquela que trazia todo seu contraste a tona. Sua barriga remexeu e o nome pulou pra fora de sua boca sem pedir permissão.
— Vanessa!! — Ele se virou para o corredor e pensou em correr de volta para ela. Mas parou instantaneamente. Sabia que ela estaria à salva. Este não é o lugar dela, pensou.
O Satanás olhou-o esperançoso.
— O pecado é uma forma da expressão da habilidade essencial da justiça. Você precisa canalizar esta habilidade e transforma-la em força. A força mantem o universo limpo do inferno que cada um cria dentro de si. — Disse olhando por cima dos olhos de Caco para um homem que se aproxima.
— Muito bem. Vamos, vou lhe mostrar algumas coisas interessantes. — Disse o homem.
Caco virou-se o se surpreendeu ao mirar o rapaz. Sua face já era conhecida de Caco, apesar de não ter intimidade lembra muito bem das perguntas intimas que o fizeste na sala de estar da grande casa.
— Thomaz? — Perguntou Caco.
Thomaz falou alguma coisa no ouvido do Capeta, riram. Depois se virou a Caco e lentamente apoiou a mão nas costas dele.— Deus?
VI
— Já esteve você na Idade antiga? — Perguntou-lhe Deus
Seu corpo estremeceu, seus olhos brilharam. Toda mancha esquecida da historia de Caco voltou a sua memoria, ele sabia de tudo, tinha todas as respostas que um dia sonhou ter. Finalmente pode deixar toda a dor ilusória para trás e buscar o futuro. Sabia qual a sua missão na vida humana e soube também naquele momento que o universo era mais gentil que qualquer um, qualquer dia, poderia imaginar.
E juntos, ele abraçado à essência, percorreram os universos e perceberam suas leis, as que regem os humanos, ou também, todas as outras espécies no universo. Essas que não se importam com quem é lobo ou cordeiro, escravo ou aristocrata, porque eles são. Ao longo da historia de uma espécie de alienígenas, logo depois, ou um pouco mais cedo sua vida acabara, e com o por de um mundo de sois, viu a maquina da qual o outro é feito. O Criador assegura que este não foi o primeiro. Os humanos o criaram e deles ele os criou para os humanos.
Seu sonho não se antecipou a terminar, muitas luas, lindas primaveras, ardorosos sóis e gélidas eras se passaram, formando a tela no final do filme, seu quando final. Sua formação tardou a cair e sua criação é sua obra. — Durante todo esse tempo só percebi que eu, quem mais o seria, lhes tinha movido à alienação, a fome e a mentira, tendo eles mesmos me levado mesmo até a vida.

Notas do Autor.
Este texto nada mais é que ficção fantástica, não adota uma conexão fundeada no real, se existir, ou nas escrituras tidas sagradas, ou mitologia. Apenas uma fantasia arquitetada em mente por efeito da “Conferência de Lutero”

Marcos Plymouth