No ano do lobo ou o preço do caos | Capítulo 1

Parte I – Sou imoral?

      Capítulo I

Não é somente minha imaginação. — Fiz uma pausa. Minha mente ainda passeava através das paredes bejes. Desconexas. — Grandes mentiras, contudo, ainda maiores verdades. — Sei que são verdades. — Vocês são imortais, ao menos em minha alucinação, uma para a qual eu corro sempre que a realidade se faz difícil de identificar. E falo sério. — Silencio total á mesa. Todos me olhavam com estranheza. — Sério como a voz que clama misericórdia, sério como o corpo que agoniza, tão sério quanto parece um animal selvagem frente sua presa.

— Não precisamos de preludio, seja o que for que se seguirá. Deixe de enrolação. — Célia franzia com a raiva inerente a quem tem dúvida. — O que tinha de tão importante para nos contar hoje?

Abaixei a cabeça, olhando para minhas mão, como se me contassem algo. Ou talvez me alertassem de algo. Mas continuei.

— Assim como o seu amor por seu filho, Célia. — Ela glutinou assim como em uma animação. — tal o seu ódio por correntes, Jônatas, dominando sua moto na estrada. Todas as forças que te puxam da cama todas as manhãs, mesmo sabendo que nunca alcançará o que ama, Paulo.

— Como é? — Ele me interrompeu.

— Aquilo que te faz transgressor ao que odeia, DC. — Continuei sem dar ouvidos. — E, embora não mais me doa, talvez no fim saberá porque, ao menos o porquê da forma que penso. Sério como o seu amor por mim, e mesmo sendo contraditório, por contramão da vida, o meu por você. — Sara se remexeu em sua cadeira, se chocando com a perna da mesa e balançando as taças de vinho.

— Não sei o porquê que nós chamou aqui, para esse.. e, e esse clima. Se te conheço não parece falar por lapso. — Ele tomou um gole de vinho, todos esperaram sua conclusão. — Seus olhos dizem isso. — disse quebrando o silencio novamente. — Não estou gostando da direção dessa conversa.

— Você não precisa gostar de nada, não sei se ouvi como deveria, ou se minha mente me prega peças, mas não pedi sua opinião, muito menos ela muda o fato que isso tem de ser dito. Creio que não fui enfático o suficiente, mas o que tenho para dizer afeta a vida de todos nesta mesa, mas, como um sorriso após a premonição da morte de quem se ama aparece, se não no rosto, na mente de quem acreditou estar louco. Ninguém pode fazer nada para impedir isso, principalmente vocês — DC olhou para Sara, ela se revirou e parecia querer falar. Tomou um pouco de ar, enchendo os pulmões, titubeou no meio, franzindo a testa enquanto inclina a cabeça um pouco pro lado, se escondendo de seus próprios pensamentos.

— Não sei se agradeço ou se inicio uma seção — sorriu — Quero dizer, sobre a parte em que diz me amar. Mas está deixando todos tensos aqui. Eu estou preocupada. — Reclamou.

— Vamos comer, é o que eu digo. — Falou DC, rindo. Todos o acompanharam, com exceção de Sara, que mexia na taça de vinho, passando os dedos na borda.

Ele acenou para a mulher em pé no portal da copa com a cozinha. Pena que a sua fome só tenha um nome. Os olhos dela estão me fitando em um estilo complacente, da maneira como uma mãe olha pro filho quando o deixa sozinho na escola pela primeira vez e ele vira as contas, feliz e animado para encontrar os novos amigos, saindo do controle, para um mundo desconhecido.

Poderia parecer coisa lunática, considerando a minha ultima fala, aquela que afirmo ama-la, o que descontrói a contradição é a circunstancia a qual falo. Tenho consciência que poderia iniciar de outra maneira meu Jantar, somado à urgência, digo, a importância dada à ocasião em minhas palavras, e que minhas palavras só serviram para amedronta-los. No entanto, pode não parecer estando no ponto em que cheguei, tenho extrema consciência do que faço. E posso ver seus corações palpitando em seus corpos pálidos a cada menção de fala. Remexem-se nas cadeiras, bebem. Curiosos.

Não me imaginem desalmado, cruel, e, ou malévolo, por fazê-los sofrerem tamanho suspense, com o perdão da hipérbole, não era minha intenção, eu os amo, isso é evidentemente óbvio nesta mesa, não sei se acredito no que falo, mas não duvidaria das paredes saberem, ou os quadros, o tapete, e eles me amam igualmente, em maior nível que eu se considerar a vida como uma sucessão de mortes diárias. Olhá-la-ia com pena em tempos passados; Até mesmo desprezo em dado momento, mas supero, tento, toda a minha natureza.

Proporções e tempo proporcionais á não existência de uma natureza.

— Ninguém nesta mesa me conhece. — Falei, negativando com a cabeça. — Não conhecem minha historia, nem o motivo de estar com vocês hoje. Não tanto quanto a governanta ouvindo atrás da porta.

Com certeza neste momento você tem certeza da minha sordidez. Embora disso eu discordo, da minha cabeça entendo eu. Não vou negar, é claro, que talvez esteja sendo um pouco satisfatório, isso é de uma irrelevância tamanha o universo. Posso ver em suas mentes a imagem de meu corpo trabalhando com as organizações mais odiosas, assassinando, corrompendo.

Em causa própria, nas camadas mais internas, e posso dizer obscuras, a imaginação trás a mente muitos outros ofícios desprezíveis; e adjetivos pejorativos rondavam suas cabeças. Da mesma maneira que jogavam os “mas” ao meio de cada um desses pensamentos, na tentativa de colocar razão no que está acontecendo. “Mas…ele sempre foi uma boa pessoa”, “Mas… o conheço a mais de 20 anos”.

— Agradeço por esta mesa esta composta por pessoas concisas, e que não há lugar para desespero. Ao menos por enquanto.

Simplesmente não existe controle.

— Você está pregando-nos uma peça? — Célia brincou, o clima começara a ficar tenso e ela propôs-se a quebra-lo e continuou. — Mas falando sério:

— Sim

— Esta sua conversa esta me deixando incomodada.

— Como eu não te conheço? Explique-me aonde quer chegar com esse showzinho, e com muito cuidado. — A fala de Sara saíra tremula. Meu coração nada sentiu.

— Não se preocupem; Tudo que poderia falar nesta noite a vocês, de certa forma, já foi repetido outras vezes, e não é motivo de cisma ou medo da parte de vocês. Agora eu quero que desfrutemos das entradas. — Assobiei. A mulher coloca os pratos sobre a mesa e abre o segundo vinho.

Sei que menti, e agora começo achando que poderia não ter começado assim. Porem tem coisas que me levam a imaginar o contrario: as pessoas, em sua maioria, tem uma tendência a se preocuparem mais quando alguém começa a falar, qualquer coisa que seja, com “não se preocupem” ou “não se assustem” ou “não há motivo de preocupação, mas…”. No fundo sei que as muitas tentativas me transformaram em um sábio neste quesito.

Capítulo 2

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