Conto | O Lado Escuro

O Lado Escuro

I
Uma TV em dissintonia, sua missão ali não era transmitir algo. Dela um chiado inerente à calma dava o tom do ambiente. Uma câmera pouco sofisticada repousara em cima da tela.
Através de suas lentes quase nada se via: O quarto é escuro, se faz impossível distinguir a natureza do local. Em Primeiro plano cometendo a tela em cima do fundo obscuro, e aparentemente infindável, uma face aparecia, um homem de meia idade estava sentado em uma poltrona das mais confortáveis existentes na época.
Seu rosto era salpicado de tons de cinza, hora um branco totalmente limpo que fazia sua Íris confundisse com sua Esclera, às vezes era somente um escuro integral. Os olhos simplesmente refletiam os chiados da TV.
O sujeito quase nunca piscava.
Trinta longos e angustiantes minutos se passaram e ele se manteve indolente.
O som de alguns passos quebrou o silencio que era quase absoluto e uma voz longínqua ecoa.
— Tem alguém aí, Olaá?… Que diabo de lugar é esse?
Finalmente o homem altera sua expressão soltando um sorriso com o canto da boca; passou de uma seriedade pálida e inerte para um escárnio lunático. Era clara a sua satisfação em estar ali. Seu plano corria como o esperado.
Seus olhos se voltam para o chão, em seguida ele se curva e em segundos suas mãos trazem a tona uma folha pautada de um caderno qualquer. Estava amassada, manchada e continha em letras garrafais uma frase escrita à mão utilizando uma esferográfica, tal somente ficou clara quando exposta á câmera: “O inferno está aberto; busquem suas cadeiras.” Lia-se.
Enquanto a tela se mantinha coberta, pode-se ouvir:
— Quem é vo… Mas… O que você está fazendo?
Eles já se conheciam. As lembranças não eram boas, coisas obscuras aconteceram da ultima vez que viu aquela face.
— Esta me seguindo, seu psicopata?
Aquele homem levanta e deixa a mostra sua arma. Um bastão de madeira cravejado de pregos nas pontas, ele some da tela por um instante e reaparece arrastando o corpo do senhor da voz aterrorizada. Aperta um interruptor pendurado e uma luz clareia uma mesa de cirurgia no meio da sala, o homem da uma longa olhada para a câmera, esconder-se de sua identidade não era um objetivo.
Uma serra elétrica aparece na cena e começa cortar a perna do Senhor. Logo parte para a outra. Ele a trás nas mãos até próximo à tela.
Depois tudo se torna negro e o vídeo se decompõe em um intenso ruído agudo bizarro.

****

Era o ano de 1986…
Verão, ele tinha na época quinze anos de idade. Nasceu em uma pacata cidade do leste europeu e passara, por toda sua vida, despercebido aos olhos da sociedade, despercebido tal como um rato se sente antes do bote da rapina, mas nunca se importou com isso. Na infância, humilhações e solidão; na juventude, repressão, medo e raiva.
A morte recente do seu pai, originada por um acidente domestico, esse que a polícia determinou o inquérito inconclusivo, o expôs.
Para toda a cidade ele foi o culpado.
“Era um menino estranho, às vezes me dava medo.” Diziam.
Sabiam eles do que o seu pai era capaz de fazer a um inofensivo garoto.
Talvez por desforra, ou pura maldade, mas uma coisa é certa: O que acontecera a partir daquele dia afetara para sempre, e de uma maneira inigualável, não somente ele, mas mudou para sempre a historia da cidade.
II
Pegou o papel com a sua mão direita e o amassou contra a esquerda.
— E o que aconteceu, onde esta o resto?… A história termina aí? — Disse um dos meninos, o mais jovens dos três, enquanto fechava as janelas.
— Não tem resto, Junior, a folha esta rasgada nesse ponto. Ainda achou que tinha alguma coisa… Nem sequer sei como que essa folha veio parar aqui. — O garoto falou enquanto atira a bolinha de papel no seu amigo que acabara de entrar no quarto.
— Para com isso, James. — Resmungou, apanhando a folha no chão e jogando-a de volta. Ele se arremessa na cama e continua a checar suas mensagens no celular.
No mesmo instante que James desamassara o papel na esperança de haver algo escrito no outro lado da folha uma brisa passa pelo pequeno quarto.
O que ele viu o arrepiou por inteiro: A folha estava totalmente em branco.
— Como pode ser? — Perguntou-se. Um ruído surgiu e a TV do garoto liga, sozinha.
Junior, o caçula com histórico de brincadeiras de mau gosto, pula na cama agarrando seu irmão pelo braço, tremendo e afastando qualquer suspeita de si.
— Por que o medo? — Perguntou James cutucando seu amigo, já temia a resposta.
— Não tenho certeza, mas acho que… ali.
— Agora desligue esta droga de TV.
James não conseguira enxergar seu horror. O quarto se completa de um integral escuro sombrio e já não se houve mais nada. Pobres almas. Os três se jogaram na cama e abraçaram uns aos outros enquanto tentavam cobriam a cabeça com o cobertor, empurrando com o pé á abri-lo.
— E agora, o que vamos fazer?
Alguns minutos se passaram e nada mudou.
Não podemos ficar aqui até a eternidade, pensou James. Ele levantou com a mão tremula a borda do cobertor e temendo o pior esticou as mãos até o abajur no criado mudo. Sabe, aqueles abajures que se acendem com um toque na lataria. James o tocou e retrocedeu a mão com toda sua agilidade, se cobrindo por completo novamente.
O oxigênio começa a dar sinais de falta, e o calor já incomoda a todos. Gotas de suor escorrem por suas faces, olham fixamente para uns aos outros e suas respirações ofegantes faz o cheiro dos três hálitos se misturarem e formarem um odor característico de aves mortas no quintal. Era o que cada um pensava.
— Mais o que é isso? Já sou quase um adulto, não tenho mais medo destas coisas.
James segurara sua pose de forte, temente aos seus amigos com este ato de coragem. Por dentro de sua pequena mente são incontáveis situações de risco, que envolva sua morte ou mutilação, imaginadas no intervalo de tempo que durou mais ou menos dois segundos, do seu espasmo de ego até a total imersão dos cobertores.
— Vamos, parem com isso. — Ele puxou o cobertor e deixou os outros vulneráveis. È gozado a maneira que suas mentes os fazem pensar que um mero cobertor, fino, de seda, que pode ser cortado facilmente por uma traça, os protege do mal.
James olha para Junior e seu amigo, enquanto os dois abriam lentamente os olhos.
As pupilas se remexiam com a bola do olho correndo para todos os lados a procura de alguma coisa, ainda fechados. Junior apertava as sobrancelhas enquanto abria os olhos devagar, o fazendo tremer. Assim as primeiras imagens se formaram em seus olhos, suas sobrancelhas subiram a toda força, e as lagrimas desceram lentamente em seu rosto. Uma mancha começa a crescer em sua calça e um líquido escorre por suas pernas pingando na cama á altura do joelho. A expressão de terror abalava sua respiração que cortava em tempos, sua dor é possível ser sentida a quilômetros de distancia.
— O que diabo seria isso, Junior? — James gritou não acreditando no que via.
Ouvindo as palavras de James, o amigo parou na fase que estava e voltou a prender os olhos completamente. Não se arriscaria a ver algo que não suportaria. Junior, então, levantou os braços lentamente, apontando para algo atrás de James. Perto da porta do quarto.
James se virou rapidamente e a avistou. Uma sombra pairava no ar, suas curvas eram nítidas como filmes em alta definição, mas todo resto do corpo era negro como o espaço. Não tinha face, cabelo, orelhas, sapatos ou roupas. Era como olhar por um desenho de um corpo, recortado e levantado a noite quente, mas sem estrelas.
— Parece inofensiva. — Disse James. — Deve ser a sombra de algo na fora.
De inofensiva a figura não tinha nada, mas o seu medo extremo, além de o paralisar sentado em sua cama, reforçou mais ainda sua mascara de orgulho, e coragem. Um homem cordato. Muitas coisas passam em sua cabeça para dizer ao vulto, mas antes que algo saísse por sua boca à coisa se mexeu, seus braços balançavam a medida dos passos que dava em direção dos Três.
O homem mostrou o rosto, saindo da escuridão, mas os garotos ainda o viam e temiam como algo sobrenatural.
Logo a virilidade de James se rendeu a sua infantilidade de pouco mais de uma dúzia de anos de vida. Pulou para trás se agarrando a Junior e seu amigo. Uma forte força subiu por sua garganta simultânea a lagrima, que descia de seus olhos, e seu grito de socorro explodiu no quarto.
III
— O que foi isso? — Falou Dona Daiana, a mãe de James e Junior, parando a viajem do pão no meio do caminho até a boca. Ficou ali.
— Parece que foi lá em cima. — Seu marido soltou a xicara de café ao ar e, antes que ela batesse no chão, subiu as escadas, correndo, em direção ao quarto de James.
O coração golpeia numa força que sacode a camisa a cada batimento, as paredes do corredor formam um túnel com a porta do quarto onde se da o inicio de uma descida para o inferno. A cada passo dado por Mrs. Daiana mais seu temor aumentava.
Eu sabia que aquele moleque iria trazer problemas para esta casa, dizia ela para si; lembrando-se do sentimento que tivera a primeira vez que aquele garoto pisara na casa. Seu corpo gelou e todos seus cabelos ficaram de pé, enquanto olha nos olhos fundos do garoto. Suas pernas ficavam mais bambas, foram cinco minutos de silencio até os três subirem as escadas para o quarto. Agora ela estava em pé se culpando por qualquer coisa que ele tenha feito a seus dois queridos filhos e vendo seu marido tentando com toda a força arrombar a porta do quarto daqueles garotos.
Nenhum ruído é ouvido de dentro do quarto.
Seus filhos eram, agora, a coisa mais importante para ela; desde seu ultimo casamento foram o alicerce de sua morada sentimental. Mesmo depois de um novo casamento sem glorias, tapete vermelho, nem grandes tufos de rosas e um vestido longo, o seu novo marido, atual padrasto dos garotos, ainda não conquistou totalmente a sua confiança. Já errou da primeira vez, e como o seu casamento só se mostrou o inferno completo depois de alguns meses, ela temia cometer este erro tão detestável novamente.
Finalmente ele conseguiu abrir a porta do quarto aos chutes, os dois entram correndo. Daiana tremia tal como ponte velha, mantem-se com os olhos fechados, seu medo a impede de tomar alguma ação. Nestes momentos de aflição o coração é o único a sentir, os olhos vendo ou não. Um mundo tão desigual, uns calam e passam mal, outros vivem como abutres de natureza tremenda. Ele amava aqueles moleques como se fossem seus próprios filhos, mas ali não conseguia tirar os olhos de cima de seus corpos mortos.
Os dois abraçados sobre a cama, uma peça de aço atravessa os dois corpos pelo tórax deixando-os presos juntos, de joelho, a parecer para que a próxima vida não deixe a linda noite saber como ela pode se tornar um pesadelo tão medonho.
— Não abra os olhos. — Ele falou pulando em cima dela e a abraçando-a com a alma. Seus braços logo a apertaram e seu peito a impediu de ver o desastre que acontecera ali mesmo, desobedecendo a suas ordens. O medo impulsionou Daiana à delírios de coragem e desespero. Ela gritou histericamente, e chorou pausadamente, gaguejando e se afogando nas lagrimas que descem de seus olhos e se encontravam com o muco de tristeza que sobe do pulmão há clareza do mundo. A respiração ofegante o empurrou com força e aquele catarro transparente e viscoso, como queijo ruim há anos, voou no chão. A sua boca se abriu e chorou com todos aquelas imagens na sua cabeça. Seu marido não se aguentou e chorou junto com ela. Aquilo não é, não pode deixar de ser, a causa de uma armadilha do destino, seu mau gosto não seria suportado ao cosmos como algo aceitável.
Depois de mais um grito, a mulher o empurrou e saiu correndo pelo estreito corredor.
Ligue para a ambulância, rápido! gritava em meio aos soluços.
O marido não se mexeu, sabia da situação, e chorou sem receio que entrem em seu pensamento.
O desespero não deve ser visto como nada mais que a ferocidade de uma ignorância alta sensitiva. Seu mundo estava ali, todos os anos trabalhados para dar-lhes comida, casa, lazer, prazer. A felicidade não chegou, a odisseia de um oceano visto da praia, aos ventos fortes o sol se despede uma ultima vez no horizonte além do infinito para uma noite infinita. Seu passageiro devaneio foi interrompido por varias batidas seguidas por graves estrondos vindos da escada. Ele retira o boné vermelho, sua cabeça fervia, e corre para verificar. A mente já estava perturbada o suficiente para não prever algo além de desgraça. Em seu próprio tempo percorreu o corredor clareado pela luz do luar que escapa do quarto dos garotos. Ao chegar à borda da escada titubeia por um segundo, ele sente mãos, algo o segurando pelas pernas. Sua cabeça lentamente vai passando dos limites da parede na escada. A primeira imagem que ele vê, no chão, logo depois do primeiro degrau da escada: Um pé. O pé da sua mulher estava caído, ela desacordada, segurando o celular ligado. Com toda sua força empregada conseguiu enfim andar novamente e saltou de uma vez dois degraus sem olhar a frente, quando o fez imediatamente parou novamente. A verdade é ainda mais tenebrosa, segurando a cabeça de Daiana estava, como um garoto com seu olhar sórdido, sem consequências, e soltando uma risada sarcástica. O amigo de James e de Junior segurava uma lâmina, uma longa faca sem cabo, em sua mão. Ele piscou para o marido de Daiana e rasgou a face dela em duas, fazendo sua língua bater morta no chão quente de madeira.
Já tinha aceitado o terror, vibrava terror, desistido de lutar, já sangrava a ferida, mas as lagrimas derramadas ainda não eram suficientes. Ele não aguentou, sua visão começou a falhar, só via um grande borrão a sua frente. Tonto, tentou se apoiar, mas a escuridão tomou sua consciência.
IV
Um grunhido.
— O que… Solta meu braço. Solte-o.
— Tenha calma Senhor. — O homem ajeitou seu paletó comprado no brechó do bairro. Tenho mais o que fazer, não. As lojas do centro cobram muito caro.
— Onde estou?… Porque meu braço continua preso droga?! — Respirou profundamente. — O que você fez com minha mulher?
— Eu sou Fernando, meu amigo ali é o Bob — Assentiu com a cabeça para o lado. O homem se apoiava com o pé na parede. — Senhor Branting você esta preso, e sendo interrogado por assassinato.
— Isso não faz sentido. Eu não faria isso. — Sr. Branting apertou seu olho com a palma das mãos e continuou. — Eu lembro que…O… O sangue. Porque alguém faria uma coisa dessas? — Ele olhou para sua mão, estava manchada de vermelho. Toda sua face estava. O que é isto? Sangue, ele temia. Sua mente estava um pouco confusa. — Como eu vim parar aqui, primeiramente?
— Encontramos você sobre o corpo de sua mulher, segurando a provável arma do crime. Você ligou pra policia avisando das mortes e depois assumiu o crime. Nós também não encontramos sinais de arrombamento na casa. Somente seus enteados e esposa mortos. — O detetive puxou a cadeira e sentou-se a frente do Sr. Branting e de costas para o grande espelho. Pegou um gravador do bolso, o colocou sobe a mesa e cruzou as pernas lentamente. — Como pode explicar isto?
O nível de estresse de Branting começa a subir à medida que sua mente volta em si e ele percebe a situação em que esta.
— Senhor, eu não fiz isto. Não poderia. — Ele cobriu os olhos e começou a chorar em cima da mesa. As imagens não saiam de sua cabeça, e agora apenas não conseguia lidar com esta situação. — Foi o garoto, ele estava com meus filhos! — Esbravejou aos soluços. — Você acredita em mim? Ele é o demônio, eu… Eu pude vê-lo sorrindo. — Abaixou a cabeça e voltou ao choro.
— Pufhh.
Fernando parou o gravador. Ele temia esta resposta. Sem muito entusiasmo empurrou a cadeira para trás com os pés provocando um ruído aborrecível junto ao piso, se levantou lentamente e foi até seu parceiro. Algo ali parecia errado. Ou Fernando só não queria acreditar.
— Já não bastava aquele lunático que decepou a própria perna? Interroguei-o no hospital mesmo. — Disse o inspetor Fernando olhando para Bob.
— Não existem evidências que nós levemos a existência de nenhum menino. Já com você o contrario. Prossiga com o interrogatório. — Disse Bob ao homem preso a mesa, sem responder á Fernando.
Fernando voltou ao interrogatório.
— Nós temos provas que fariam qualquer um acreditar, inclusive o Juiz, que você esteve na casa da Família Persson, assassinou o Sr. Persson e sua esposa gravida, depois voltou para casa assassinou seus dois enteados e sua esposa, depois inventou esse garoto. Quem iria pensar que você matara sua esposa e depois ligou para a policia?! Isso seria surreal, mas não pro Bob ali. — Ele apontou com o polegar por cima do ombro, mas o Bob já não estava mais ali.
Do outro lado do escritório policial Bob pegava um copo d’agua no bebedouro da recepção.
— Noite agitada, não? — A policial apareceu do lado do vaso de agua e apoiou o braço nela. — Onde esta o Fernando? — Todos ali já tratavam os dois como um só, tal era a união dos dois.
— Deve estar falando neste momento do Assassinato na Terceira da Rua Cuba com o Suspeito. — Disse Bob, depois de beber sua agua.
— E você deveria está na sala com ele. Quebrando o protocolo então, nada fora do normal. O todo Poderoso Bob, o maior descumpridor de leis que trabalha para a lei.
— O papo esta bom, mas eu tenho que ir. Estes forenses só querem o salario no final do mês. Não acredito neles. — Bob checou suas ferramentas, sacou uma penca de chaves e partiu em direção ao seu carro.
— Aonde vai? — Perguntou a policial.
— Investigar. — Disse empurrando a porta da frente.
— Então você precisa de um parceiro. — Gritou ela, saindo correndo atrás de Bob.
Os dois entraram no carro.
— O que aconteceu com o Fernando? Vocês são inseparáveis.
— Ele tem viajado muito ultimamente, tudo para ele tem haver com algo oculto. Depois do que aconteceu na Rua Cuba, ele se tornou insuportável. Precisava esfriar a cabeça.
V
A noite foi agitada como nunca na pequena cidade, enquanto a policia e a frota de apoio trabalhava incessantemente neste plantão forçado. A noite brilhou e já começa a se arrumar para ir embora sem pena e sem culpa. Agora são 4h30min da manhã e a cidade dorme tranquilamente sem conhecimento dos eventos desta noite. Como noticia ruim corre rápido, não vai demorar pra acontecer. O carro percorreu toda a cidade até seu caminho, as ruas maninham-se quietas e túrbidas.
Se aproximando da casa, o carro vira a esquina da terceira. As luzes dos postes arranham o peito, é incrível como aquelas pequenas, brancas, podem ser duras quando tudo que se enxerga é escuridão. A penumbra esta tornando tudo na rua laranja, a nevoa agora é rala, mas deve aumentar. Uma silhueta aparece ao longe, andando no passeio, com as mãos no bolso e estatura muito baixa. Alguém indo para o trabalho, pensou Bob.
— Até que a casa dos Persson não é essa coisa toda — Disse a policial. A grande casa ficava no fim da rua e tomava toda sua extensão, ao fundo.
— Espere!! — Bob olhou mais atentamente para o homem vindo entre a nevoa, olhou mais ao longe e percebeu que não tinha mais nenhuma casa do local onde o homem está até a casa dos Persson. Tudo indica que é de lá que ele esta vindo.
Bob pensa no que fara agora olhando para o homem. Ele reduz a marcha do carro e então acelera ao máximo. Percebendo o policial, o homem para no lugar onde está.
Porque diabos ele esta parado?
À medida que Bob se aproxima a imagem do homem se torna mais nítida. Agora te pego desgraçado!
Você disse que o destino é Linear, eu digo; Eu sou um Jogador.
A neblina se dissipa e a imagem atormenta a cabeça fora da lei de Bob. O homem que se mantinha parado na calçada na verdade não era um homem: Um menino aparentemente de quatorze a quinze anos se manteve teso, com sua camisa quadriculada e calça moletom, ficou olhando diretamente para Bob. Não demonstrava temor, ou apreensão. Bob carrega uma longa ficha de investigação por condutas antiéticas e foras do padrão da policia. Ele atiraria naquela criança se se sentisse ameaçado por ela.
— Parado! È a policia. — Gritou ele.
O menino olhou levemente para o lado e correu adentrando um beco entre as casas. Bob pulou do carro e tentou o perseguir atravessando o beco, no outro lado tinha um campo aberto, mas ele não conseguia ver ninguém, ao menos um vulto. Voltou, então, enfurecido, para o carro.
— Filho de uma… Perdi aquele desgraçado. — Bufou, dando a partida no carro.
— Estou me assustando com você. — Respondeu a policial.
Bob não gostara mesmo de perder.
— Do que esta falando? — Perguntou enfurecido para San, a policial.
— Não havia ninguém lá. — Respondeu.
VI
Os dois entraram na casa.
— San, não vai fechar a porta? — Disse Bob.
Assim ela fez. Aproveitou para ligar a lâmpada no interruptor ao lado da porta. A casa era realmente incrível, um salão gigantesco com vários quadros e esculturas. Uma grande escada dividia-se em duas, levando aos quartos e ao escritório do primeiro andar.
— Desligue-a. Procure novas perspectivas. O crime aconteceu na madrugada, provavelmente na escuridão.
Já no escuro, os dois tomaram rumo ao quarto do futuro bebê, local onde aconteceu o crime. O cheiro de sangue era insuportável, a cama da criança estava totalmente ensanguentada, as peças do guarda roupa estavam jogadas pelo chão com algumas latas de tintas derramadas sobre, uma televisão estava em cima de uma caixa de madeira alguns trabalhadores assistiam novela com uma folha de papel em cima.
— O local deve estar do mesmo jeito que o assassino deixou, se os forenses não desarrumaram tudo.
Bob olhou todo o quarto quieto, enquanto San fica parada na porta. A quanto tempo trabalho nisso? As coisas só pioram.
Tudo que ele pensara em mexer no quarto já estava etiquetado, nada lhe chamara a atenção a não ser uma folha que pairara sobre a TV. Ele a pegou e percebeu-se que não ha nada escrito. Colocou-a de volta e saiu do quarto descendo as escadas a caminho da cozinha.
San continuou no quarto, ela olhava para o papel com algum tipo de receio, olhou para os dois lados, e mesmo com medo da possível repressão por parte de Bob, ligou a lâmpada do quarto e foi andando até a frente da TV. Seus olhos já não eram muito bons, mesmo atrás daqueles óculos, no escuro eram praticamente inúteis. Ela pega o papel com a mão e o olha por um instante.
VII
Imagens começam a aparecer na sua mente, o perturbando; Em seu devaneio o quarto do bebê está escuro novamente com rostos nevoados voando por lá, não era possível ver ao menos as paredes. A TV esta ligada. O seu coração dispara, as pupilas dilatam, aquilo não poderia estar acontecendo. È difícil de acreditar na verdade, o coração prefere a mentira, mesmo quando a verdade não passa de uma mentira muito bem contada. Um homem aparece perguntando alguma coisa atrás de si e atravessa o corpo inexistente neste mundo. Ainda pelas costas era possível perceber o Sr. Persson. Ele apontou para outra pessoa que aparece sentada em frente à TV e continuou o questionando. Quem estava lá era o mesmo garoto solitário, estava sentado segurando folha de papel em suas mãos e sorrindo para a TV. O menino levantasse e Sr. Persson sai voando como a ponta de um chicote e cai em cima da cama. Suas pernas aparecem no chão e o sangue começa a escorrer por todo o lugar. O garoto chega na frente de Bob, era o mesmo que perseguira a pouco. O que todos acham ser o assassino do pai, talvez ele o tenha feito no final das contas, e agora é minha vez. Pensou, relembrando toda sua vida.
Seu corpo estava estagnado, todos seus pesadelos o atormentavam de uma vez quando o garoto começou a falar:
Sabe o que é engraçado, encontramos outro deste na casa do Sr. Branting salpicado de sangue dos seus enteados.
Um estrondo é ouvido e o quarto se clareia, agora ao invés do Garoto, San esta na sua frente o olhando com um pouco de receio. San terminou a fala e esperou alguma reação de Bob que estava parado na porta do quarto como uma múmia.
— O que você tem? — Perguntou San, já começando a ficar preocupada.
— O que você disse? — Perguntou ele, confirmando que o que ouvira não foi só em sua cabeça. Bob não se importaria com um pedaço de papel, mas depois de sua curta viagem pelo inferno, uma brecha se abriu no ceticismo e o destino ganhou uma chance.
— Estava falando de outro papel desse que… — Foi interrompida por Bob que saiu em disparada do quarto a puxando pelo braço.
VIII
Bob e Fernando se esbarraram no corredor da delegacia; um saía do elevador enquanto o outro entrava. Corriam para o encontro e o tiveram.
— Droga Fernando! — Resmungou Bob ainda com a testa doendo. — Pra que tanta pressa?
— Olha, eu sei o que você pensa dessas coisas, mas andei pesquisando e encontrei uma coisa estranha. — Fernando falou rapidamente para não dar tempo de Bob o cortar.
— Fernando, eu… — Bob tentou falar, mas Fernando cortou-o novamente e retomou sua cascata de palavras. Era incrível como conseguia respirar enquanto falava.
— Dê-me uma chance ao menos, você pode se surpreender com o que achei: Primeiro todos os assassinatos desta noite envolvem uma casa cuja família é formada por uma mãe viúva ou separada que se casou novamente. Não é grande coisa, pode ser coincidência, mas consegui peneirar outros assassinatos parecidos e encontrei, você não vai acreditar… — Falava, enquanto abria pastas e mostrava papeis com as informações. — Houveram outros seis homicídios qualificados como estes nos últimos 16 anos, o mais interessante é que todos aconteceram no mesmo dia do ano. Hoje. — Parou por alguns segundos para recompor o ar e finalizou. — Eu ainda tenho uma teoria do que possa ter acontecido.
— Eu estava tentando falar que estive te procurando porque gostaria de ouvir acerca de sua historia sobre aquele menino. Talvez, ela tenha algum fundo de verdade. — Disse suando como um porco prestes ao abate. Bob ainda se acostumando a aceitar estas estórias. Sua mente não deixara outra opção. O demônio cutucava seu cérebro.
— Então vamos até minha sala. — Fernando se virou e correu a sua sala, seguido por Bob e San.
— Hoje não faz 27 anos que seu pai morreu? — Perguntou San. — Será que aprofundando essa pesquisa, ele também não entra na estatística de Fernando? — Ela olhou para Bob com cara de espanto. — Minha nossa! Será que… Um serial killer!
Bob não deu ouvido a San. Olhou-a com um desgosto que a deixa constrangida às vezes, até mesmo na cama. Bob não se lembrara daquela noite, só suas consequências em sua vida. San os deixa e vai cuidar de outra coisa.
A pequena sala comporta apenas uma mesa de metal com um computador em cima, sem janelas ou persianas parecia mais uma das celas. Na parede um quadro trazia algum tom tênue para o local. Fernando vai para frente do computador puxa a cadeira e senta-se, da alguns cliques e varias fotos das cenas dos crimes aparecem na tela.
— Esses são os crimes, que te falei. Todos são muito brutais. Aqui, neste a mulher e o filho morreram enquanto assistiam TV, neste outro, quatro anos depois, foi encontrado o corpo da mulher gravida na banheira. — Disse apontando para a o monitor. — As coisas só pioram, na capital, no mesmo dia outra mulher e seus filhos foram esquartejados e costurados novamente com partes uns dos outros. Esses não saíram na mídia, iria ser um grande estouro. — Fernando se virou e olhou para Bob que parecia morto. Não sabia que, como um bebê prestes a morrer asfixiado no útero, Bob estava renascendo.
— Meu Deus. Todos aconteceram no mesmo dia do ano? — Perguntou, reconsiderando fortemente a ideia de um Serial Killer. Suas mãos começaram a tremer. Algo que vinha de dentro queria pular para fora de qualquer jeito, o suor não parava de escorrer. Em qualquer outra pessoa isso seria considerado um ataque de pânico ou stress, mas para Fernando, Bob estaria tendo algum ataque. Ele era sempre muito frio. Mesmo assim, Fernando continuou com a situação. Estava mais louco que o normal.
— Todos no mesmo dia. — Respondeu, criado coragem para a pergunta. — Você esta se sentindo bem, Bob?
— O que aconteceu com os maridos e amantes das moças? — Seu olho estava vibrado na tela do computador, fitando as imagens como um leão mirando sua presa.
Fernando voltou a passar as imagens.
— Alguns desapareceram outros foram presos. Algumas provas muito fortes foram colhidas para incrimina-los, mas já não acredito tanto assim agora.
— Pare! — Gritou Bob, tomando o mouse das mãos de Fernando.
Fernando tremeu a alma na cadeira, tamanho o grito que Bob deu. Ele nunca viu o parceiro se descontrolar desta maneira.
— O que? — Disse.
— Este papel parece estar em todos os lugares. — Retirou o pedaço que colheu na casa do Sr. Persson e o aproximou da tela.
— Parecem idênticos. — Disse Fernando percebendo o mesmo pedaço de papel que pairava sobre a mesa em uma das fotos. Soltou um leve sorriso vendo sua teoria se concretizando.
— Refaça a busca novamente e inclua a morte dos amantes nos filtros também.
Ele não se lembra daquele dia, mas seus pesadelos o perturbam. Seria uma boa hora de saber o que aconteceu. Seu braço começa a tremer, ele já não dominava mais seu sistema nervoso.
IX
Fernando então reconfigura os filtros de pesquisa no programa da policia e repeti a busca. Alguns segundos se passam enquanto a barra de carregamento se completa. A camisa de Bob já não suporta mais suor, e começa a pingar no chão.
A busca termina e só mais outro resultado aparece: Um assassinato em 1986; Mãe, pai e um dos filhos, todos mortos. O coração de Bob Parou por um instante. Apesar de saber a qual crime a pesquisa se refere, Fernando tremula a clicar sobre o resultado. Ele olha para Bob rapidamente e vê o parceiro estupefato, sem esboçar nenhuma reação ao cenário recente.
Clica então e dentre outras fotos de cadáveres, alguns irreconhecíveis, uma imagem da família completa aparece: Uma roda gigante brilhava ao fundo, um homem com a barba mal feita e um boné de baseball vermelho aparecia abraçando sua esposa morena com um longo vestido rosa fraco e mais dois garotos. Um deles era muito familiar para Bob, o mesmo menino que o perseguira a noite toda aparecia com um sorriso largo e vários tickets do parque nas mãos.
Fernando apontou para o garoto da foto e pergunta.
— Este aqui não é você?
Seu suor e seu impaludismo pararam instantaneamente.
De alguma maneira ele não reconheceu quando o reencontrou.
Bob saiu correndo da sala. foi até a sela em que o Sr. Persson estava, sacou sua arma e a apontou para o homem.
— Então, você veio. Já estava achando que não viria mais, garotinho. — Disse Sr. Persson sorrindo. Bob estourou-lhe os miolos, espalhando cérebro por toda a cela. Seu sofrimento teve um fim. Infeliz algoz.
Olhou a cena por um tempo, depois se matou na presença de uma única lagrima.


Marcos Plymouth